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Espiões Chineses, Eleições Americanas e o TikTok.

Atualizado: 29 de out. de 2020

No próximo dia 3 de novembro será realizada a 59ª eleição presidencial nos Estados Unidos, tendo como postulantes à presidência da maior potência econômica e militar do mundo o democrata Joe Biden e o atual presidente e candidato à reeleição, o republicano Donald Trump.


As eleições presidenciais nos Estados Unidos são quase sempre envoltas em grandes debates e divergências entre os postulantes ao cargo, seja em questões militares, como ter uma postura mais ou menos belicosa, em questões diplomáticas, considerando que os Estados Unidos possuem forte influência em diversos países e regiões, e obviamente em questões econômicas, afinal os Estados Unidos são a maior potência econômica do mundo e o dólar é uma das moedas que, em qualquer de suas oscilações, afetam positiva ou negativamente boa parte da economia mundial. Mas nestas eleições, especificamente, um outro fator entrou em cena nos grandes debates americanos: o TikTok e a relação China-Estados Unidos.


Você deve estar se perguntando como seu vídeo com seu amigo ou amiga de “Eu Nunca, Eu já”, ou mesmo sua coreografia ao som de “Tones an I - Dance Monkey”, “Lil Nas X - Old Town Road” ou qualquer solinho empolgante, tem influência sobre as eleições nos Estados Unidos.


Acredite! O TikTok é muito mais do que um aplicativo divertido no seu smartphone, e o Boletim F5 preparou uma Análise de Conjuntura para explicar toda polêmica envolvendo o TikTok nos Estados Unidos, e porque ele se tornou tema nas eleições presidenciais da maior potência mundial. E se você não conhece nenhum desses hits ou não faz a menor ideia do que seja o TikTok, essa análise também é pra você. Você pode até não criar uma dancinha ao final do texto, mas nós garantimos que após a leitura você olhará os seus aplicativos de uma maneira bem diferente.


O Fenômeno TikTok


O TikTok basicamente é um aplicativo para criação e compartilhamento de vídeos curtos com fundo musical de propriedade da empresa chinesa ByteDance. Essa startup possui valor de mercado atual em torno de 75 bilhões de reais, e seu desenvolvedor, Yiming Zhan, foi eleito recentemente uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela Time Magazine.


A plataforma surgiu em 2014 como Musical.ly e para ser difundida internacionalmente, modificou seu nome; no país de origem, entretanto, manteve o seu título como Douyin desde seu lançamento em 2016. Posteriormente, em 2019, o aplicativo ultrapassou o Facebook em número de downloads e alcançou o auge de sua fama. Nesse mesmo ano, foi posicionada como a quarta rede social mais utilizada ao redor do mundo, devido a sua rápida fixação no comércio americano. Mas, por que um aplicativo, aparentemente tão inocente, tem movimentado a conjuntura americana nos últimos meses?


Espionagem Chinesa ou Paranoia Americana?


A polêmica envolvendo o TikTok se acende a partir de uma série de declarações feitas pelo atual presidente dos Estados Unidos e candidato à reeleição no pleito de 3 de novembro, Donald Trump. Ele por diversas acusou o TikTok de ser uma ferramenta utilizada pelo governo chinês para espionar os Estados Unidos e pôr em risco a segurança do país. A escalada de Trump contra o TikTok chegou ao ponto do presidente americano decretar a proibição da plataforma nos Estados Unidos ao menos que a mesmo seja vendida para uma empresa americana, caso contrário será banida completamente (até o momento desta publicação este prazo estava estabelecido no dia 12 de novembro de 2020).


É válido destacar que a desconfiança dos Estados Unidos acerca de tecnologias chinesas já veio se estabelecendo meses antes do conflito envolvendo os dois países a respeito do TikTok. Em julho deste ano, com a notícia de que uma série de documentos que poderiam conter informações confidenciais de espionagem foram queimados dentro do consulado chinês em Houston, no Texas, o governo norte-americano ordenou o fechamento do consulado, com o intuito de “proteger a propriedade intelectual americana”, de acordo com Morgan Ortagus (porta-voz do Departamento de Estado). Dessa forma, eles já cogitavam que tal ato fosse uma violação à privacidade das informações e uma operação ilegal de espionagem e de tentativa de influência chinesa em assuntos americanos.


Sob essa mesma justificativa o TikTok acabou banido da Índia no início de julho deste ano (junto a mais 58 aplicativos), mas para compreender melhor essa questão envolvendo o aplicativo chinês e a Índia é importante lembrar as questões geopolíticas envolvendo os dois países que possuem sérios problemas no reconhecimento das suas fronteiras e que em junho deste ano quase chegaram a uma escalada de conflito bélico após embates entre soldados chineses e indianos que resultaram em baixas dos dois lados no vale do rio Galwan, região do Himalaia. A perda do mercado indiano acaba sendo um golpe duro no mais famoso aplicativo chinês pois em abril deste ano o TikTok possuía aproximadamente 120 milhões de usuários no país, e estava numa curva crescente de downloads.


Voltando ao caso americano, a desconfiança em relação às tecnologias chinesas não se restringe ao TikTok. A Huawei, por exemplo, que veio conquistando seu espaço no mercado internacional a partir de importantes inovações no campo das telecomunicações, vem sofrendo uma série de restrições do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, além da Tencet (o mais importante portal de serviços de internet da China e uma das grandes produtoras de games no mundo) e o aplicativo de comunicação WeChat, todos estes se tornaram alvos das acusações do governo americano de servirem como ferramentas de espionagem ao governo chinês.


Apesar da ByteDance, proprietária do TikTok, afirmar que não mantém dados de seus usuários na China e que sua política é extremamente rígida, desconsiderando qualquer possibilidade de repasse de informações de usuários ao governo chinês, isso não reduziu os ataques do presidente Donald Trump ao aplicativo, o que se tornou quase uma guerra pessoal após tiktokers (como se denominam usuários do aplicativo) e fãs de K-Pop (gênero musical sul-coreano muito popular entre os mais jovens) reivindicarem para si a responsabilidade pelo esvaziamento do primeiro comício de Trump na campanha presidencial realizado em Tulsa, Oklahoma, em 20 de junho. Os usuários do aplicativo teriam feito o registro para participar gratuitamente do comício, sem a intenção de realmente comparecer e divulgaram a ação tanto através do TikTok como em outras redes sociais, em comunidades majoritariamente acessadas pelos fãs de K-Pop. O resultado foi um comício extremamente esvaziado, muito abaixo das expectativas de participação de público projetadas pela coordenação de campanha de Donald Trump.


O que se percebe é que a polêmica envolvendo o TikTok nos Estados Unidos vai além de questões técnicas sobre vazamento de dados ou privacidade na internet, há um forte componente político muito ligado às estratégias eleitorais de Donald Trump, por um lado, que se utiliza da ideia de inimigo comum e ameaça estrangeira para convencer os setores mais conservadores e nacionalistas do eleitorado americano, e por outro lado há também uma disputa indireta entre os dois países (China e Estados Unidos) no campo da tecnologia e o TikTok seria mais um instrumento do que os especialistas em Relações Internacionais chamam de soft power.


O TikTok e a Geopolítica Digital


Para entender como o TikTok pode ser considerado um instrumento de soft power é necessário discutir um pouco desse conceito e entender como ele é aplicado tanto pelos Estados Unidos quanto pela China.


Segundo Joseph Nye, o soft power pode ser entendido como a capacidade sedutora do Estado - mas não somente ele - de conseguir sustentar um poder social-cultural. O autor analisa que a distribuição do poderio, no século XXI, é semelhante a um tabuleiro de xadrez tridimensional. Por isso, a manutenção do domínio no mundo globalizado é concretizado por três categorias: a parte superior corresponde ao âmbito militar; a camada intermediária, à economia e o nível inferior, a ideologia, sendo essa última um complemento, muitas vezes negligenciado, da hegemonia de um Estado.


A partir da segunda metade do século XX os Estados Unidos se estabeleceram como grande potência mundial utilizando-se de muito soft power. A indústria hollywoodiana, que contribuiu para disseminar os ideais americanos (“American Way of Life”) através dos filmes e de seus personagens que sintetizam os valores patrióticos e nacionalistas dos Estados Unidos, as revistas em quadrinhos que propagam o protagonismo dos super-heróis, quase todos eles originários dos Estados Unidos, sempre enfrentando vilões que são caricaturas de países, líderes políticos ou mesmos religiões consideradas inimigas dos “valores americanos”, a indústria musical, os esportes, em diversos setores e mais recentemente com a internet e as redes sociais, é notória a utilização do soft power pelos Estados Unidos como ferramenta de geopolítica. No entanto, para chegar no estágio em que se encontra, foi necessário fazer uso do hard power que, diferente do soft power, é caracterizado pelo emprego de recursos militares e econômicos para exercer influência e poder sobre outro estado. Por isso, nenhuma nação, nem mesmo a China, tem a capacidade de alcançar os Estados Unidos no uso do hard power. De acordo com dados coletados em 2019, os EUA foram responsáveis por investirem US$ 649 bilhões em gastos militares, enquanto a China vem em segundo lugar, totalizando US$ 250 bilhões em investimentos em suas forças armadas, o que prova que, em relação ao hard power, os Estados Unidos são hegemônicos no cenário internacional.


Por conta dessa disparidade o soft power se apresenta como ferramenta essencial para o governo chinês, e o TikTok seria mais uma forma de solidificar a presença chinesa em diversos países, inclusive nos Estados Unidos. Mas o soft power chinês é muito mais abrangente que o mundo das redes sociais, ele se desenvolve por meio da sua estratégia de "charme", levando em consideração o fato de a China não possuir um hard power eficiente para conquistar a tão sonhada hegemonia no cenário internacional. Assim, o soft power chinês teria como objetivos primordiais o crescimento econômico, a conquista da admiração dos outros países e a influência cultural no contexto global. Como umas das consequências do efeito positivo desse soft power, no que se refere ao aumento da influência chinesa, tem-se o crescimento das transmissões da Rádio Internacional da China, os diversos investimentos chineses em infraestrutura nos países mais pobres (principalmente no continente africano e no sudeste asiático), o que rende à China acordos comerciais extremamente vantajosos, a ampliação da presença de estudantes chineses nas principais universidades do mundo, a liderança nos BRICS e é claro, a presença cada vez mais forte da China no mercado de tecnologia.


No caso específico do TikTok, por conta de seu crescimento sobretudo entre crianças e adolescentes, dentro de um período relativamente curto comparado com outras grandes redes sociais, a exemplo do Facebook e do Instagram, é possível perceber que no aplicativo os jovens americanos se destacam e criam tendências baseadas na cultura americana, que repercutem e influenciam usuários de outros países, o que acaba levando a uma “ocidentalização” da plataforma, pondo em dúvida o real alcance desse aplicativo como ferramenta de soft power efetivo, na medida em que, para “ser aceito no ocidente”, ele acaba se aproximando muito mais daquilo que sempre garantiu a hegemonia dos Estados Unidos na utilização de mecanismos de influência sociocultural do que de fato um instrumento difusor dos ideais chineses. Mas essa discussão fica para uma próxima análise.


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Texto produzido pelos(as) estudantes Mayara Cristina, Laisla Kimberly, Raphael Sousa, Maria Clara, Maria Teresa, Victória Salomão e Bruno Tedesqui, sob supervisão do professor Fabio Pablo.


Agradecemos aos especialistas em Relações Internacionais Mateus Silva e Jonathan Cardoso e a Iris Ribeiro, engenheira de software, pelas entrevistas concedidas.




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